Narrativa Feminina

Esta é uma obra de ficção.
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Saturday, September 25, 2004

Um dia de caranguejo

Parece sina encontrá-lo quando vou ao cinema. Dessa vez, não na saída, mas um pouco antes da sessão começar, na loja de bichos de pelúcia.
- Menina! Comprando um bichinho para dormir com você? Pelo jeito aquele negócio de não ter ninguém para deixar uma fita te bagunçou.
- Sempre engraçadinho. Tava procurando uma lagosta.
- Lagosta? Melhor você ir ao Mercado Municipal.
- Isso que você disse foi para rir?
-Não fique brava. E a arara que eu te dei, não serve mais para dormir com você?
- Não é isso, é que eu quero uma lagosta agora. E você, o que faz aqui?
- Te vi entrando...
- Tá sozinho? Que milagre te encontrar por duas vezes sozinho...
- Acabei de deixá-la em casa, na verdade.
- Ainda é a mesma?
- Qual mesma?
- A que jura que eu sou uma louca viciada em achocolatado e deve ter uns17 anos.
- Não, é outra agora... e ela já tinha 18.
- Melhor, né? Não corre o risco de ser preso.
- Crime de Sedução é de 16 anos, creio que tenha baixado para 14, não tenho certeza.
- Tá bem informado, hein?
- Não era você que queria conquistar um garotinho de 16?
- Você sabe que era brincadeira.
- É, eu sei, se ele disser que tem 25 você já descarta.
- Não exagera, 25 são só cinco anos menos, já 18 são 12, né?
- E qual o problema, menina?
- O problema é a lei da gravidade.
- Os homens também sofrem com ela, temos que desafiar essa lei sempre.
- Mas aí que está, quando ela for aplicada em mim, ele não vai conseguir desafiar nem com reza braba, vou ser trocada por uma de 12, o que é o fim para uma mulher.
- E quem disse que você não corre esse risco com um homem da sua idade ou mais velho?
- Eu sei que corro até mais risco com um homem mais velho, mas isso não me salta aos olhos quando tenho que conhecer os amigos dele.
- Boba, a garota que acabei de deixar em casa tem 23 anos e vocês parecem da mesma idade, ninguém diz que você fará 30 anos semana que vem.
- Você ainda lembra...
- É, você é que não lembra.
- Eu lembrei, comprei presente, cartão, rascunhei e-mail, mas...
- Mas?
- Desisti, quem anda pra trás é caranguejo, você me ensinou isso.
- Eu sei... - ele ficou em silêncio por alguns segundos e disse - mas e aí, achou a lagosta?
- Não, gostei da coruja, só que vou decidir uma outra hora, agora já está quase na hora da sessão começar. E você, vai ficar aqui?
- Acho que sim, me deu vontade de comprar um caranguejo, quem sabe eu acho.
Nessa hora senti uma vontadade absurda de abraçá-lo, mas achei melhor ir embora sem qualquer contato físico. Sabia que se fizesse isso, não iria querer mais sair de seus braços e teria que fazê-lo assim que amanhecesse. Nosso problema sempre foi esse, com a diferença que quando estávamos juntos, eu é quem pedia para que ele fosse embora ao amanhecer...
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