Narrativa Feminina

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Saturday, September 25, 2004

Primeiro dia de Balzaca.


Foi como tinha de ser: uma reunião com os amigos mais íntimos. Como a do ano passado, inclusive, com a diferença da presença dele, fazendo suas piadinhas, brincando com os meus amigos, sendo o centro das atrações como sempre. Parecia que a festa era para ele, e eu, a aniversariante, apenas uma coadjuvante. Algo como naqueles filmes em que se precisa de uma festa para que a estrela principal possa brilhar. Esse ano, embora tenha sido uma comemoração agradável, não havia estrela do filme.
Todos se divertindo bastante enquanto eu passeava de grupo em grupo, conversando sobre amenidades. Acho que minha vida pode ser resumida a isso: passear de grupo em grupo conversando amenidades. Confesso que pensei que ele iria aparecer, de repente com um caranguejo na mão... Chegaria no meio da festa, sorriso lindo iluminando seu rosto de menino que fez arte, e roubaria a cena, como sempre fez.
Nos conhecemos assim, num momento eu estava triste, sem saber o que fazer da minha vida, no outro, ele chegou e roubou a cena. Não lembro exatamente do que aconteceu, só lembro que quando me dei conta, estávamos andando de mãos dadas, sem que eu sequer tivesse percebido o momento em que ele pegou na minha mão.
Esse ano, deixou um recado na secretária avisando que teve que viajar, por isso não poderia aparecer. Foi cínico ao lembrar que eu não o convidei. Eu sei que deveria tê-lo feito, mas ele me ignorou solenemente, logo após o término do nosso relacionamento, quando fui convidá-lo para uma festa. Fiquei arredia, inevitável. E, talvez, nem seja questão de orgulho, é o fato de que, pelo menos uma vez, eu gostaria muito de que ele tomasse a iniciativa. Durante todo o tempo eu tive que fazer tudo sozinha, até mesmo para que ele me tocasse, tinha que trazê-lo junto a mim. Depois do primeiro passo, "ele pegava no tranco", só que, sem perceber, acabou com minha auto-estima nesses pequenos detalhes. E eu precisava de tão pouco...
Passei um longo período me perguntando se ele era assim com todas, até que um dia o vi com outra e percebi que não. Ele parecia bem feliz ao lado dela, como se não conseguisse ficar dois segundos sem tocá-la. Era a primeira vez que eu o via com outra e por isso não deixei que me visse. Não queria que me surpreendesse chorando. Depois, acabei me acostumando em vê-lo na companhia de outras mulheres.
-Alô?
-Oi, menina, recebeu meu recado?
-Ah, é você. Sim, recebi. Já chegou de viagem?
-Cheguei hoje.
-Cê foi viajar mesmo ou tava tre... ou era uma desculpa?
-Claro que fui, não tava trepando com ninguém não.
-Bem, se era pra saber se recebi o recado...
- Na realidade não, eu queria te chamar para ir ao cinema. Tá a fim?
-Bem, eu estava saindo para isso...
-Ah, legal, te pego em uma hora, pode ser?
-Não precisa, nos encontramos lá.
-É melhor eu te pegar, é que eu tô servindo de babá prum gringo e ele quer ir ao cinema, só que é pra ver um filme do Godard. Eu mereço, né? Só vejo filme do Godard para tentar comer intelectuais, você deve saber disso.
- Eu nunca te chamei pra ver Godard...
-Não, mas me chamou para ver peças de teatro experimental... Bem, o fato é que você é a única pessoa que eu conheço que agüenta Godard sem dormir, então disse a ele que eu não iria, mas eu tinha uma amiga que poderia acompanhá-lo.
- Eu não sei por que ainda não te mandei pra puta que pariu. Renova seus amigos...
-Ah, o que custa? Pô, cê ia ver que filme?
-Passion, do Godard...
- Aí, tá vendo? Te arrumei companhia. O cara é gente boa. Quebra essa, vai?
- Mas por que uma hora? Eu já estou pronta.
-É que eu tenho que buscar o gringo antes..
.-Tá bom, eu espero.
-Por isso que eu te amo!
Eu odeio quando ele faz isso! Eu deveria ter dito outro filme, eu sei, até tentei, mas não consegui. Droga! Por que eu nunca vejo o que está passando em Shopping? Sou uma boba mesmo. Agora é esperar e ver no que dá...
Narre!-[ comments.]