Modernidade
-Você deve ser o Bernard! Prazer, eu sou Glória, mãe da Virgínia.
-Nossa, pensei que fosse no máximo uma irmã dela.
-Obrigada, você é muito gentil. Senta aí, vou lá chamar minha filha.
Minha mãe me avisou da chegada do Bernard e eu fui recebê-lo. Estava curiosa para saber o que era.
-Oi, meu querido!
-Está curiosa, não está?
-Claro!
-Vai ficar mais ainda, porque vai deixar a caixa aqui e só vai abrir depois! Vamos!
Até tentei relutar, mas não consegui, tive que deixar a enorme caixa em casa, sem saber o que havia dentro.
Seguimos rumo à noite paulistana, enquanto eu dirigia, Bernard dissertava sobre a beleza da minha mãe.
-Ela é muito nova para ser sua mãe!
-É, engravidou aos 16 anos, foi obrigada a casar, meu avô era do exército.
-E seu pai?
-Militante comunista e avesso a casamentos. Muito pequeno burguês para ele.
-Uau! Quantos anos ele tinha?
-19.
-Pensei que isso de gravidez na adolescência fosse um problema atual no Brasil.
-Na década de 70 também deveria ser. Só que apesar do tal amor livre, revolução sexual, todo mundo trepando com todo mundo, os pais ainda podiam obrigar suas filhas de 16 anos a casarem, ou melhor, obrigar os garotos que engravidavam suas filhas. Anticoncepcional não era tão difundido quanto o sexo, eu acho. Além disso, o HIV veio só na década de 80, camisinha, antes disso, que eu saiba, só Casanova e Cleópatra usavam.
-É verdade. Até hoje é quase assim. Eu, quando era heterossexual, quase não usava camisinha. Depois que me assumi gay, nunca fiz sexo sem.
-Sério?
-É, acho que os gays ficaram com mais medo, porque no início tinha aquele negócio de grupo de risco.
-Deve ser mesmo, alguns homens ainda se recusam a usar, mas eu perguntei se era sério que você já foi hetero.
Ele deu uma gargalhada e respondeu:
-Há muito tempo atrás, nem me lembro mais de tão ruim que era.
-Que pena!
Ele continuou a rir, disse que pelo menos eu não era daquelas que insistiam em dizer que isso acontecia porque ele nunca encontrou uma mulher de verdade e todas as baboseiras que se usam para tentar fazer alguém rever sua orientação sexual.
O caminho foi agradável e começo da balada também. Bernard estava adorando a casa, também, beijava na boca de cada homem lindo, um melhor que o outro. Eu até que me divertida, só que naquele dia eu estava um tanto deprimida, meio chateada e cansada de estar sozinha, preferi ficar um tempo observando, ora no bar, ora no lounge. O problema é que desde que o João entrou na minha vida, eu não via mais sentido em ficar com alguém por ficar. É bom, também, mas eu não conseguia. Talvez precisasse de mais tempo para voltar à ativa, sem querer mais que um dia.
Em um dos momentos em que fiquei encostada no bar, Bernard chegou para conversar. Junto com ele, um casal de namorados. O rapaz, que deveria ter seus 25 anos, se dirigiu a mim, dizendo:
-Gata, você é muito linda, estou doido para ficar com você, mas assim, você fica com minha mina também?
Puxei Bernard para o meu lado e disse:
-Só se você ficar com meu amigo também. Sabe o que é, eu sinto tesão em ver dois homens se beijando. E aí, topa?
Ele ficou bravo e a namorada também, acharam um absurdo a minha proposta, só Bernard que achou o máximo e ficou rindo.
-E se ele topasse, Vírginia?
-Eu ficava com a mina dele, ué. Ele não é tão moderno?
-Moderno? Machista, isso sim. Viu a namorada, será que ela aceita as mulheres porque gosta?
-Nada, mais machista que ele, porque se gostasse mesmo, não iria achar problema do namorado ser bissexual também, né?
-Verdade! Bem, minha querida, eu vou indo, vim aqui para me despedir, arrumei um par... Sabe o moreno de olhos claros que eu estava beijando?
Fiz um gesto afirmando que sabia, embora eu não soubesse. Ele beijou tantos! Nos despedimos e eu resolvi ir embora também. Confesso que voltei para casa meio tristonha. Essas coisas dão a sensação de que todo mundo se arruma, menos eu. Ainda mais quando eu lembrava que minha mãe também tinha se arrumado e só estava há dois dias aqui em São Paulo.
Chegando na portaria, dei de cara com João, dormindo no sofá da entradal. O porteiro o conhece, sempre deixa que ele entre, e eu me esqueci de dizer João não tinha mais o passe livre, que eu queria ser avisada. Acho que fiz isso para que ele chegasse de surpresa. A esperança é a última que morre, não é mesmo?
-João, acorda! O que você está fazendo aqui?
-Eu resolvi te esperar e aí peguei no sono. Que horas são?
-Três e meia.
-Caramba! Preciso embora...
Claro que eu não deixei!
-Nossa, pensei que fosse no máximo uma irmã dela.
-Obrigada, você é muito gentil. Senta aí, vou lá chamar minha filha.
Minha mãe me avisou da chegada do Bernard e eu fui recebê-lo. Estava curiosa para saber o que era.
-Oi, meu querido!
-Está curiosa, não está?
-Claro!
-Vai ficar mais ainda, porque vai deixar a caixa aqui e só vai abrir depois! Vamos!
Até tentei relutar, mas não consegui, tive que deixar a enorme caixa em casa, sem saber o que havia dentro.
Seguimos rumo à noite paulistana, enquanto eu dirigia, Bernard dissertava sobre a beleza da minha mãe.
-Ela é muito nova para ser sua mãe!
-É, engravidou aos 16 anos, foi obrigada a casar, meu avô era do exército.
-E seu pai?
-Militante comunista e avesso a casamentos. Muito pequeno burguês para ele.
-Uau! Quantos anos ele tinha?
-19.
-Pensei que isso de gravidez na adolescência fosse um problema atual no Brasil.
-Na década de 70 também deveria ser. Só que apesar do tal amor livre, revolução sexual, todo mundo trepando com todo mundo, os pais ainda podiam obrigar suas filhas de 16 anos a casarem, ou melhor, obrigar os garotos que engravidavam suas filhas. Anticoncepcional não era tão difundido quanto o sexo, eu acho. Além disso, o HIV veio só na década de 80, camisinha, antes disso, que eu saiba, só Casanova e Cleópatra usavam.
-É verdade. Até hoje é quase assim. Eu, quando era heterossexual, quase não usava camisinha. Depois que me assumi gay, nunca fiz sexo sem.
-Sério?
-É, acho que os gays ficaram com mais medo, porque no início tinha aquele negócio de grupo de risco.
-Deve ser mesmo, alguns homens ainda se recusam a usar, mas eu perguntei se era sério que você já foi hetero.
Ele deu uma gargalhada e respondeu:
-Há muito tempo atrás, nem me lembro mais de tão ruim que era.
-Que pena!
Ele continuou a rir, disse que pelo menos eu não era daquelas que insistiam em dizer que isso acontecia porque ele nunca encontrou uma mulher de verdade e todas as baboseiras que se usam para tentar fazer alguém rever sua orientação sexual.
O caminho foi agradável e começo da balada também. Bernard estava adorando a casa, também, beijava na boca de cada homem lindo, um melhor que o outro. Eu até que me divertida, só que naquele dia eu estava um tanto deprimida, meio chateada e cansada de estar sozinha, preferi ficar um tempo observando, ora no bar, ora no lounge. O problema é que desde que o João entrou na minha vida, eu não via mais sentido em ficar com alguém por ficar. É bom, também, mas eu não conseguia. Talvez precisasse de mais tempo para voltar à ativa, sem querer mais que um dia.
Em um dos momentos em que fiquei encostada no bar, Bernard chegou para conversar. Junto com ele, um casal de namorados. O rapaz, que deveria ter seus 25 anos, se dirigiu a mim, dizendo:
-Gata, você é muito linda, estou doido para ficar com você, mas assim, você fica com minha mina também?
Puxei Bernard para o meu lado e disse:
-Só se você ficar com meu amigo também. Sabe o que é, eu sinto tesão em ver dois homens se beijando. E aí, topa?
Ele ficou bravo e a namorada também, acharam um absurdo a minha proposta, só Bernard que achou o máximo e ficou rindo.
-E se ele topasse, Vírginia?
-Eu ficava com a mina dele, ué. Ele não é tão moderno?
-Moderno? Machista, isso sim. Viu a namorada, será que ela aceita as mulheres porque gosta?
-Nada, mais machista que ele, porque se gostasse mesmo, não iria achar problema do namorado ser bissexual também, né?
-Verdade! Bem, minha querida, eu vou indo, vim aqui para me despedir, arrumei um par... Sabe o moreno de olhos claros que eu estava beijando?
Fiz um gesto afirmando que sabia, embora eu não soubesse. Ele beijou tantos! Nos despedimos e eu resolvi ir embora também. Confesso que voltei para casa meio tristonha. Essas coisas dão a sensação de que todo mundo se arruma, menos eu. Ainda mais quando eu lembrava que minha mãe também tinha se arrumado e só estava há dois dias aqui em São Paulo.
Chegando na portaria, dei de cara com João, dormindo no sofá da entradal. O porteiro o conhece, sempre deixa que ele entre, e eu me esqueci de dizer João não tinha mais o passe livre, que eu queria ser avisada. Acho que fiz isso para que ele chegasse de surpresa. A esperança é a última que morre, não é mesmo?
-João, acorda! O que você está fazendo aqui?
-Eu resolvi te esperar e aí peguei no sono. Que horas são?
-Três e meia.
-Caramba! Preciso embora...
Claro que eu não deixei!