Narrativa Feminina

Esta é uma obra de ficção.
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Sunday, October 17, 2004

Minha mãe gosta de mulher!

-Mãe, vem ver se eu estou bem!
- Tá show!
- Show? Eu, hein? No mercado perguntou se "rolou" alguma coisa, agora diz que estou show! Fica saindo com garotão, vai acabar ficando monossilábica.
- Que preconceito... como você é boba e está ficando amarga! Quando eu tinha sua idade...
-Quando a Sra tinha minha idade, eu tinha 13 anos e a sra ainda era casada com meu pai.
- É, tem razão, quando eu tinha sua idade eu era pior que você. Aguentava aquele traste do seu pai!
- Não fala assim...
- Primeiro reclama das minhas gírias, agora reclama do jeito que falo do seu pai...
- Desculpe, eu sei que estou chata. É que ele é meu pai, né?
- É, é sim... embora ele tenha esquecido disso. Há quanto tempo não fala com ele?
- Quase 9 anos. Na verdade, falar, falar mesmo, a última vez foi aos 13 quando ele me contou que vocês iriam se separar... Lembro exatamente da frase: "Filha, tudo que eu menos quero é te magoar". Acho que ouvi isso a minha vida inteira de todos os homens. Com algumas variações, claro.
- Tipo: "não quero que você se envolva"....
- É... ou: "Você é muito especial, não tenho o direito de te fazer sofrer".
- Homens, não importa a idade, falam a mesma coisa sempre.
- E os garotões, mãe, são diferentes?
- Quando você tinha 18 anos eles não faziam a mesma coisa? Não importa a idade, Virgínia, esquece essa bobagem...
- É, tem razão...o João sempre diz isso.
- Falando nele, como você se apaixonou? Cê é cheia de coisas, gosta de homens cultos, refinados. João não é nada disso.
- É, mas é mais sensível que todos os homens que conheci. Tinha um sorriso de criança. Era especial. Difícil explicar. Ele dormia nas peças que eu o convidava para ver, achava um saco a conversa dos meus amigos, mas sempre roubava a cena. Tinha a frase exata, entende?
- Entendo. Pelo jeito ainda gosta dele, né?
- Acho que sim... Quando conheci o francês até tive uma esperança, mas...
- É com ele que vai sair, né?
- Ele vai passar aqui, disse que quer me dar um presente. Eu disse a ele que era mais fácil eu buscá-lo no hotel e que guardaria o presente no carro, só que não adiantou. Parece que o presente é um tanto frágil e Bernard quer que eu só abra pela manhã. Disse que tem que estar longe, para eu lembrar dele logo cedo
- É, tinha que ser gay, homens perfeitos assim não existem.
- Nada, nem todo gay é assim. A maioria não é... são homens, mãe.
- É, eu sei. Houve um tempo que achei que mulheres eram diferente. Até saí com umas duas, mas também não tem diferença.
-O Quê? A senhora já saiu com mulher?
- Já, qual o problema? Você nunca?
- Nunca.
- Como é limitada essa minha filha... Se não fosse o traste do seu pai, iria achar que foi trocada na maternidade!
- Não sou tão limitada assim. Só não me sinto atraída por mulheres... Parece que está na moda ser bi, pelo jeito. Até minha mãe é...
- Não quer saber como foi?
- Não, obrigada... A senhora não quer ir com a gente, não vai achar nada demais em ir numa balada GLS, né?
- Não, até quero conhecer, mas hoje vou sair com um cara que conheci ontem no supermercado.
- Hã? Eu vou aquele supermercado há 5 anos e nunca flertei com ninguém!
- Nossa, há anos que não ouço o verbo flertar. Deve ser por isso que ninguém chegou perto. Quem fala flertar dá medo nas pessoas...
É, tenho muito que aprender com minha mãe.




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